O Levante Popular da Amazônia — Em Defesa da Vida dos Povos da Amazônia
Perspectivas para a Solidariedade Transatlântica e Cooperação Justa [1]
O Levante Popular da Amazônia, formado por organizações e movimentos socias de povos da Amazônia Legal brasileira, procura um diálogo com a sociedade européia sobre os crimes, a violência socioambiental na região e perspectivas de cooperação internacional. Denunciando a militarização da Amazônia, o desmonte das instituições democráticas e socioambientais sob o atual governo brasileiro. Queremos discutir as responsabilidades da política comercial europeia na destruição da Amazônia e as oportunidades para construir uma cooperação transatlântica baseada na solidariedade, na justiça social, no respeito aos direitos humanos e na justiça ambiental
O Brasil vive um processo de ataques aos direitos sociais e territoriais, especialmente das comunidades indígenas, quilombolas, tradicionais e de agricultores familiares da Amazônia e do Cerrado. A progressiva desconstrução das instituições de inspeção e regulação ambiental reforça as queimadas e o desmatamento, ameaçando os ecossistemas e os povos dessas regiões. A pandemia do COVID-19 tem vindo a ceifar numerosas vida. Entretanto, a exploração madeireira, mineira e o agronegócio intensificaram a “economia da morte”, encorajada pelo governo Bolsonaro. O governo abandonou os seus compromissos para com a vida dos seus povos e a proteção ambiental. O recem fundado Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) manifesta a militarização, a exploração violenta da Amazônia, a falta de representação democrática dos seus povos e dos governos estaduais. Quais são as responsabilidades das empresas transnacionais na violação dos direitos humanos, da soberania e segurança alimentar e da natureza? Quais são as implicações destas ameaças e sua relação com o fornecimento de commodities e minerais do Brasil à Europa, com as negociações do acordo União Européia/Mercosul, da participação do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com a “economia verde” e a financeirização de “serviços ambientais”, promovidas por líderes europeus como pode a sociedade civil apoiar a denúncia, a regulamentação e a repressão de práticas ilegais e fluxos financeiros das empresas transnacionais? Como podem a sociedade civil e governos europeus apoiar os povos da Amazônia na luta pela saúde, direitos territoriais, representação política, soberania alimentar e alternativas agroecológicas?
A Alemanha, atual presidente do Conselho da UE, é fundamental na governança climática internacional e tem se empenhado na conservação da Amazônia há décadas. Ao mesmo tempo, tem sido um forte promotor da liberalização do comércio com o Brasil, o que beneficia a sua indústria automóvel, engenharia mecânica e química. Por exemplo, os gigantes alemães Bayer e BASF exportam pesticidas tóxicos para o Brasil que são proibidos na UE. As importações europeias de carne, açúcar, soja, bem como minerais, implicam e encorajam o modelo de produção industrial brasileiro orientado para a exportação. Estes são também os principais motores do desmatamento da Amazônia, dos conflitos territoriais e das violações dos direitos humanos.
Os acordos de livre comércio não melhorarão, mas intensificarão as dinâmicas neo e pós coloniais presentes. Após ampla oposição e provas de que o tratado UE-Mercosul não exigiria ativamente que a UE e os países do Mercosul respeitassem a proteção ambiental, os direitos das populações e violaria princípios democráticos, muitos países e parlamentares europeus vem rejeitando o projeto. Nesta mesma direção, o Brasil tem buscado flexibilizar a legislação ambiental, por exemplo, no setor mineiro, para facilitar a sua adesão à OCDE.
As empresas transnacionais aproveitam a erosão das instituições democráticas, bem como a verificação e responsabilização insuficiente na atual regulamentação das cadeias de abastecimento globais. Oficialmente, investidores e empresas europeias condenam o aumento do desmatamento na Amazônia e prometem retirar investimentos ao Brasil para dar resposta a pressão de consumidores europeus mais atentos com a crise climática e ambiental; mas, de fato, muitas empresas têm sido cúmplices. As empresas multinacionais têm que cumprir as normas socioambientais da UE, mas expandem suas atividades predatórias no Sul Global, onde as legislações são mais brandas, promovendo um duplo padrão de atuação. Como o governo Bolsonaro está tentando legalizar a exploração mineira e a agro-industrial na Amazônia, mineradoras internacionais intensificam a expansão no país. Por exemplo, empresas internacionais apresentaram um registro de pedidos de mineração na Amazônia e, embora nenhuma delas esteja baseada na Alemanha, o país é o quarto maior importador de minério do Brasil. No contexto da crise do Corona, as empresas transnacionais estão transferindo suas perdas para os elos mais fracos das cadeias de fornecimento globais — com consequências fatais para os trabalhadores do Sul global. Como um “fardo econômico”, também se opõem a legislação da cadeia de abastecimento. Necessária e popularmente apoiada, ela tornaria as empresas responsáveis pelos direitos humanos e normas ambientais em outros paises.
Os atuais impactos socioambientais, territoriais, a influência política das empresas transnacionais no Brasil e em toda a Pan-Amazônia nos impõem combater estas injustiças. Os governos e parlamentos euopeus devem monitorar, regular e combater violações dos direitos humanos, danos ambientais das suas empresas no Brasil e em toda a Pan-Amazônia e reforçar o princípio da precaução na cooperação. Dado o apoio do público europeu a uma regulação mais forte das cadeias de abastecimento e a preocupação com a protecção da Amazônia, são necessárias ações concretas para mobilizar iniciativas e campanhas na Europa, promovendo a solidariedade transnacional, a justiça social, as alternativas agroecológicas e a representação de todos os povos da bacia Amazônica.
Amazônia, 27/11/2020
[1] Texto produzido com a colaboração de Claudia Horn, socióloga, ativista e doutoranda na London School of Economics, desenvolvendo pesquisa sobre Amazônia, justiça ambiental e cooperação internacional.